A implementação do programa, na prática, de modo equilibrado, é o que garante que a sociedade possa usufruir de benefícios esperados do processo competitivo
Por Luiz Felipe Ramos e Julia Lazarini Ferreira
No primeiro semestre de 2025, a Secretaria de Reformas Econômicas (SRE), integrante do Ministério da Fazenda, abriu espaço para participação no Procedimento de Avaliação Regulatória Concorrencial (Parc). O objetivo do Parc é analisar os possíveis efeitos negativos sobre a concorrência decorrentes de regulamentação da atividade econômica e propor a sua revisão.
Qualquer agente econômico ou observador com experiência no ambiente de negócios do país já se deparou com algum regulamento capaz de arrefecer a concorrência. Seja ao estabelecer, por exemplo, regime de licenças como requisito de funcionamento no mercado ou restringir a informação disponível ao consumidor, a regulação produzida no país afeta diretamente o fenômeno concorrencial.
Algumas dessas restrições se direcionam a objetivos públicos sólidos que não podem ser descartados. Mas sua confecção, muitas vezes, não leva suficientemente em conta o grau de restrição à concorrência. Apenas uma análise caso a caso, com expertise, pode identificar um eventual arrefecimento excessivo da concorrência, ainda que em nome de fins louváveis. É a essa tarefa que se propõe o Parc.
O Parc surgiu com a Instrução Normativa SRE/MF nº 12/2024, substituindo a Frente Intensiva de Análise Regulatória e Concorrencial (Fiarc), de 2020. Embora tenham objetivos similares, o Parc procura aprimorar a atuação da Seae na promoção de um ambiente regulatório mais sensível aos riscos de distorção concorrencial. Recentemente, a iniciativa foi premiada com o prêmio ICN-WBG, entre dezenas de inscritas.
O Parc visa maior aproximação entre a Seae e os órgãos editores dos atos normativos analisados, com abordagem consultiva e dialógica. A ideia é evitar uma abordagem meramente investigativa. Ainda, espera-se que as análises da SRE tragam propostas de solução para os possíveis problemas encontrados. O procedimento adotado também busca ser mais ágil e ampliar a participação da sociedade civil.
Nessa linha, inovação procedimental prevê ciclos ordinários semestrais, iniciados por Chamadas Públicas ou instrumento equivalente. Essas chamadas buscam divulgar à sociedade que a SRE receberá indicações de normas que possam ter efeitos anticoncorrenciais e que poderão ser analisadas no Parc. Criou-se, portanto, um instrumento para chamar a sociedade civil e a generalidade dos agentes econômicos a contribuírem com o estágio inicial de escolha das normas a serem analisadas.
Há previsão de chamadas públicas para o Parc ao menos de seis em seis meses. A primeira ocorreu entre 7 de fevereiro e 16 de março deste ano e resultou em mais de 80 sugestões de normas a serem revisadas. Segundo os participantes, há no Brasil regulamentações restritivas à concorrência em setores tão diversos quanto o de saúde, transportes, energia, comunicações, apostas, segurança privada, financeiro, distribuição de combustíveis, entre outros. Verifica-se, portanto, um sucesso inicial da tentativa de trazer maior participação da sociedade na escolha das normas a serem revisadas.
A SRE selecionou para análise uma resolução do Banco Central, uma da Anvisa, uma da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), uma da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), duas da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) e três leis federais. Para a seleção, foram avaliados o interesse público na revisão das normas indicadas, bem como a relevância e o alcance dos seus efeitos sobre a concorrência.
Segundo participantes do Parc, os principais entraves concorrenciais gerados pelas normas escolhidas são: (i) restrições ao uso do GLP, favorecendo produtores de outros combustíveis (Resolução ANP nº 957/2023); (ii) barreiras à interoperabilidade entre sistemas de depósito centralizado, aumentando custos e dificultando a entrada no mercado (Resolução BCB nº 304/2023); (iii) tratamento discriminatório no pagamento de benefícios do INSS entre bancos e instituições de pagamento (Leis 8.213/1991, 8.213/1991 e 10.820/2003); (iv) critérios de precificação que desestimulam a inovação (Resolução CMED nº 2/2004); (v) favorecimento a grandes grupos econômicos, aumento da concentração de mercado e poder de portfólio no setor de medicamentos (RDC Anvisa nº 954/2024); e (vi) aumento de custos logísticos no comércio exterior de carga conteinerizada (Resoluções Antaq nº 109/2023 e nº 112/2024).
Além de oficiar os órgãos mencionados, a SRE tem obtido informações de entidades públicas ou privadas e poderá firmar parcerias junto à comunidade acadêmica e realizar audiências públicas. O recado é claro: a participação da sociedade e de agentes econômicos não se esgota com a chamada pública realizada. Deve haver, ainda, nova chamada em agosto, oportunidade para que apresentem suas sugestões aqueles que não puderam participar da primeira rodada. Para que as contribuições tenham maiores chances de aceitação, é fundamental que atendam aos requisitos da IN 12/2024 e observem critérios de relevância e interesse público.
Com o engajamento crescente no programa, espera-se fortalecimento do diálogo entre Seae, reguladores e sociedade civil, essencial para fortalecer a advocacia da concorrência. Se a concorrência não é panaceia para resolver todos os problemas econômicos e sociais, tampouco deve se limitar a um princípio vazio previsto em nosso ordenamento jurídico. Sua implementação, na prática, de modo equilibrado, é o que garante que a sociedade possa usufruir dos benefícios esperados do processo competitivo.