O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) vai priorizar a análise do mercado de combustíveis nos próximos dois anos. As áreas da autarquia têm 30 dias corridos para encaminhar um relatório à presidência do órgão com as ações em andamento nessa frente e um planejamento para 2025 e 2026. A prioridade e a demanda para as áreas foram publicadas ontem em portaria no Diário Oficial da União.
A distribuição de combustíveis já estava na mira do órgão antitruste. No início de julho, a Procuradoria Federal Especializada junto ao Cade pediu a abertura de uma investigação sobre o setor, com base em informações da Advocacia-Geral da União (AGU) e do Ministério de Minas e Energia (MME). Na segunda-feira (21), as representações foram encaminhadas dentro do Cade para análise interna e providências.
Informações cedidas ao órgão antitruste tanto pela AGU quanto pela MME sugerem indícios de condutas anticompetitivas na cadeia de distribuição de derivados de petróleo e gás em algumas regiões do Brasil.
Em ofício, a AGU aponta que a Refinaria de Manaus (Ream) paralisou as atividades de refino de derivados de petróleo por doze meses em 2024, alegando necessidade de manutenção de instalações que tinham sido adquiridas da Petrobras. Citando a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), a AGU chama atenção para uma parada para “manutenção demasiado longa” em uma refinaria da Ream, de acordo com o documento.
Já o MME manifesta a “preocupação dos impactos dessa parada para a garantia ao abastecimento de combustíveis e dos fluxos logísticos” para a região Norte. Além disso, indica que “as refinarias privatizadas” da região, “em especial a Refinaria da Amazônia”, vêm praticando “preços significativamente superiores” em comparação com outros fornecedores.
Com relação a Sul e Sudeste, os documentos destacam que a companhia Ultragaz, do grupo Ultra, e outras, não nominadas, da cadeia de distribuição de gás liquefeito de petróleo (GLP) reduziram as quantidades demandadas da Petrobras, além de terem aumento margens do setor em relação aos seus custos.
Ao Valor, o atual presidente do Cade, Gustavo Augusto, afirmou que Ream e Ultragaz não estão no foco da portaria, embora sejam objeto de investigação pela Superintendência-Geral (área técnica) do órgão em processos próprios.
“Não é papel do Cade fiscalizar o preço na bomba ou fazer o preço do combustível cair. O nosso papel é combater cartel”, afirmou.
A portaria também determina ao Departamento de Estudos Econômicos (DEE) do Cade que atualize estudos e notas técnicas sobre o setor. As áreas do Cade também deverão buscar e priorizar a interlocução com órgãos como a ANP para aprimorar o compartilhamento das bases de dados de preços do setor. Fica ainda prevista uma audiência pública a ser realizada até o fim do ano.
Augusto destaca que o conselho vem atuando no combate aos cartéis de combustível desde 2013. Nesse período, foram julgados mais de 25 casos, com 18 condenações e mais de R$ 750 milhões em multas aplicadas.
“Já é um setor em que temos atuado com consistência. Por outro lado, impacta toda a economia e atinge diretamente o consumidor de todas as faixas, seja no transporte urbano, frete ou agronegócio”, afirmou.
José Del Chiaro, sócio do Del Chiaro Pereira Advogados e especialista em legislação antitruste, reforça que o setor de combustíveis é tema recorrente no Cade, seja no caso de em postos de gasolina ou na aquisição de redes ou distribuidoras por concorrentes.
“O que se coloca, agora, é uma priorização desse tema combustíveis, eu diria em sentido amplo, para verificar o que ocorre em termos de precificação na bomba”, diz. O advogado afirma que, hoje, os instrumentos para investigação são melhores do que há dez anos, citando inteligência artificial, estudos econométricos e a audiência pública.
Em nota, a AGU diz que a comunicação feita aos órgãos competentes solicita que seja investigado o motivo pelo qual a queda no preço de combustíveis não está chegando ao consumidor final. Por isso, segundo a AGU, houve a provocação do Cade para averiguar a ocorrência de condutas anticoncorrenciais na cadeia de fornecimento, especialmente nos elos de distribuição e revenda dos produtos.
Já o MME afirma “que a iniciativa [do Cade] é uma resposta” aos ofícios enviados pelo ministro Alexandre Silveira “e a diversas instituições responsáveis pela regulação e fiscalização do mercado de combustíveis”. A pasta diz que tem a expectativa “que essas ações se fortaleçam, de forma coordenada entre os órgãos responsáveis”.
“O MME seguirá trabalhando para garantir um mercado de combustíveis mais justo, transparente e concorrencialmente equilibrado, em benefício do consumidor brasileiro”, diz a pasta.
Procuradas, Ream, Ultragaz, ANP e Petrobras não responderam até o fechamento desta edição.