O número de operações notificadas pelas próprias empresas ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) alcançou novamente em julho deste ano o maior patamar mensal da história. Segundo dados da autarquia, 77 atos de concentração (ACs) foram submetidos à análise prévia do órgão no mês, mesmo montante de outubro de 2024, quando o recorde havia sido registrado. ACs são operações, como fusões e aquisições, que as empresas precisam notificar ao conselho.

No recorte do primeiro semestre apenas, o volume de ACs cresceu cerca de 20% sobre igual período do ano passado, alcançando 379 notificações.

Especialistas avaliam que uma das possibilidades que explicam a alta de ACs é o aquecimento da economia, com reflexo no mercado de fusões e aquisições.

“A atividade de fusões e aquisições começou bem este ano e ainda está aquecida”, diz Bruno Drago, sócio no Demarest Advogados, atuante no Cade.

Segundo ele, o tarifaço imposto pelos Estados Unidos ao Brasil e uma eventual falta de segurança jurídica não têm por enquanto afetado o movimento de maneira considerável.

O advogado estima que somente cerca de 6% das notificações do primeiro semestre foram para o rito ordinário, adotado em casos que precisam de análise mais detalhada. “Apesar de ter mais operações [sendo notificadas], me parece que há um volume maior de operações menores chegando ao Cade”, diz.

Entre os setores, Drago destaca o de energia, que vem ganhando protagonismo nos últimos anos. “Em geral são operações de tíquete mais baixo, mas que envolvem grandes grupos econômicos, o que leva a notificações”, afirma. O recente esclarecimento de critérios para notificações sobre a compra de terrenos pode ter afetado o volume de notificações do setor imobiliário, de acordo com o advogado.

Ademir Pereira, especialista em Direito Concorrencial e sócio do Del Chiaro Pereira Advogados, destaca que muitas operações ocorrendo especialmente com a participação de empresas e investidores estrangeiros. Os setores que se destacam têm sido tecnologia, saúde, varejo e energia, segundo o advogado.

“O mercado de fusões e aquisições está pressionando [as empresas] por soluções, e o Cade está sendo chamado a se posicionar”, diz também André Camargo, professor do Instituto Brasileiro de Mercados de Capitais (Ibmec).

Camargo afirma há uma ressaca no mercado de capitais, sem aberturas de capital por empresas (IPOs) nos últimos cinco anos, por causa de juros altos. Isso leva as empresas, pressionadas a crescerem e darem resultados, a buscarem alternativas, especialmente porque alguns mercados estão sendo transformados por mudanças de tecnologia, hábitos de consumo ou comportamentais.

“Uma das soluções é ir pelo atalho das fusões e aquisições em busca do crescimento”, afirma.

Historicamente o Cade analisa também operações que não são fusões e aquisições, mas que geram consequências concorrenciais e que são soluções adotadas pelas empresas em função da pressão por crescimento. “Empresários e advogados estão mais criativos no desenho dos negócios, realizando várias etapas. Não é só o M&A (fusões e aquisições) clássico. A sofisticação do mercado de fusões e aquisições cresceu nos últimos ano”, diz.

Além disso, segundo Camargo, há mais informações sendo tornadas públicas, não apenas as referentes a empresas abertas. “Até por uma questão de posicionamento as empresas estão falando mais dos seus planos de crescimento e M&A são mais estudados”, diz.

Publicado no Valor Econômico.