Boletim Antitruste #247

Destaques institucionais e decisões de julho de 2025.


Destaques do Poder Judiciário

JFDF reconhece prescrição intercorrente de execução de multa do CADE contra a JBS

A Justiça Federal do Distrito Federal (“JFDF”) decidiu[1] reconhecer a prescrição intercorrente para redirecionar execução[2] de multa do CADE contra a Bertin Ltda. (“Bertin”) à JBS S.A. (“JBS”), em razão da demora por mais de 5 anos para solicitar o redirecionamento após tomar ciência da causa autorizadora da responsabilização da JBS.

Em 2007, o CADE condenou[3] uma série de empresas por formação de cartel no setor frigorífico, dentre as quais a Bertin. Em 2008, o CADE ajuizou ação de execução fiscal contra a Bertin. Em 2009, a JBS incorporou a Bertin, conforme Ato de Concentração notificado ao CADE. Não obstante, foi apenas em 2022 que o CADE solicitou o redirecionamento da execução fiscal da Bertin à JBS em razão da sucessão empresarial. Nesse sentido, a JBS apresentou embargos à execução alegando que o redirecionamento da execução fiscal estaria prescrito, dado que passados mais de 5 anos da ciência do CADE sobre a incorporação das atividades da Bertin pela JBS.

De fato, o Juízo da 19ª Vara Federal da JFDF decidiu reconhecer a prescrição intercorrente para redirecionamento da execução fiscal, notando que “o redirecionamento da execução deve dar-se no prazo de cinco anos contados da citação do devedor principal, ou contados da data em que o credor tem ciência da causa autorizadora da responsabilização de terceiro, como é o caso da dissolução irregular, ou, por analogia, em situações envolvendo a reestruturação societária (…) O pedido de redirecionamento da execução para a JBS, no entanto, somente foi formulado em 25.01.2022, ou seja, quase 10 anos após o julgamento do Ato de Concentração de n. 08012.008074/2009-11, ocorrido em 2013“, quando “o CADE tomou ciência da causa autorizadora do redirecionamento“. Dessa forma, foi determinada a exclusão da JBS do polo passivo da execução fiscal promovida pelo CADE.


Destaques do CADE

CADE designa mercado de combustíveis como setor prioritário para 2025 e 2026

A Presidência do CADE publicou a Portaria CADE nº 379/2025, que designa o mercado de combustíveis líquidos como prioritário à análise do CADE para os exercícios dos anos de 2025 e 2026. A Portaria estabelece uma série de determinações à Superintendência-Geral (“SG”), Departamento de Estudos Econômicos (“DEE”), além de áreas técnicas e apoio, dentre as quais:

  • Priorização, pela SG, de investigações de práticas colusivas no setor de combustíveis líquidos;
  • Atualização de estudos econômicos pelo DEE, além da proposição de iniciativas;
  • Realização de audiência pública para identificação de problemas concorrenciais no setor; e
  • Articulação do CADE outros órgãos para coleta e compartilhamento de dados e evidências, como Agência Nacional do Petróleo, Ministério de Minas e Energia, Ministério Público, Advocacia Geral da União e Polícia Federal.

Destaques da Superintendência-Geral do CADE

SG não conhece operação de alteração de condições comerciais em aditivo contratual

A SG decidiu não conhecer[4] como ato de concentração de notificação obrigatória ao CADE a alteração de condições comerciais em aditivo contratual envolvendo a aquisição, pela Addiante S.A. (“Addiante”), de veículos de propriedade da Lots Latin America Logística e Transportes Ltda. (“Lots”), por entender que a operação já havia sido notificada ao CADE.

A Addiante é uma empresa especializada em soluções de locação de máquinas, caminhões e equipamentos pesados para diferentes setores da economia. A Lots oferece soluções de transporte rodoviário de carga. A aquisição dos veículos da Lots pela Addiante foi analisada e aprovada sem restrições pela SG[5], que concluiu tratar-se de aquisição de ativos essenciais à atividade da Addiante. A segunda operação notificada consistia em alteração de condições comerciais em termo aditivo ao contrato original já notificado anteriormente, que reduziu o prazo de vigência e repactuou o valor da locação, sem alterar a quantidade de veículos. As Requerentes notificaram a operação ad cautelam, alegando que a jurisprudência do CADE reconhece que operações estritamente financeiras não constituem ato de concentração de notificação obrigatória ao CADE quando não possuem qualquer impacto no mercado.

De fato, a SG decidiu que a operação não constituiria ato de concentração de notificação obrigatória ao CADE. Segundo a SG, o aditivo contratual não amplia o escopo da operação conhecida e aprovada. Em especial, “a mera redução no prazo de vigência do contrato de sale and leaseback não consiste em um ato de concentração por si só e não motiva, assim, uma nova análise concorrencial da operação, pois não altera o escopo do ato de concentração já analisado, que foi a aquisição de 86 veículos da Lots pela Addiante. Esta SG ressalta, contudo, que caso a alteração contratual fosse relativa a algum aspecto que pudesse alterar a análise concorrencial feita na operação original, como o aumento na quantidade de veículos a serem adquiridos, tal situação seria interpretada como um novo ato de concentração de notificação obrigatória[6].

SG conhece e aprova operação de permuta de áreas florestais entre Suzano e Eldorado

A SG decidiu conhecer e aprovar, sem restrições, operação[7] consistente na permuta de ativos entre Suzano S.A. (“Suzano”) e Eldorado Brasil Celulose S.A. (“Eldorado”), referente a áreas florestais de eucalipto localizadas no Mato Grosso do Sul.

A Suzano cultiva e explora florestas de eucalipto para utilização da madeira em atividades de produção e comercialização de celulose e produtos derivados. A Eldorado é uma empresa que produz celulose de eucalipto para fabricação de produtos diversos, como papeis para higiene pessoal, impressão e escrita. A operação envolveu a permuta de áreas florestais de eucalipto localizadas no Mato Grosso do Sul entre Suzano e Eldorado para corte e colheita da madeira. As Requerentes notificaram a operação ad cautelam, alegando que (i) a operação consistiria em mera permuta de insumos sem transferência de propriedade, de forma que não constituiria aquisição de parte de empresa e (ii) a permuta envolveria a mesma quantidade e qualidade de madeira, de forma que não alteraria a capacidade produtiva no mercado.

A SG, contudo, decidiu conhecer a operação. Segundo a SG, a operação configuraria ato de concentração de notificação obrigatória, dado que “envolve a permuta de ativos produtivos essenciais para a atividade-fim das Partes (produção de celulose), na qualidade de insumos/matérias-primas“, sendo que “a permuta de ativos é uma forma de aquisição de empresas ou partes de empresas“. Não obstante, a SG aprovou a operação sem restrições, por entender que “não haveria riscos de fechamento do mercado de insumos, uma vez que empresas de celulose verticalizadas não figuram como fornecedores relevantes de madeira para outros players atuantes no mercado nacional de celulose“, bem como que “não haveria riscos de fechamento do mercado de clientes, uma vez que, ainda que Suzano e Eldorado absorvam a totalidade da produção de madeira dos Ativos-Alvo, provavelmente os concorrentes no elo upstream de florestas plantadas de eucalipto continuarão a ter acesso a uma ampla base de clientes para comercializar sua madeira[8].

SG arquiva investigação envolvendo suposta recusa de contratar e sham litigation por Telefônica, Claro e TIM

A SG decidiu arquivar investigação[9] que buscava apurar suposto abuso de posição de dominância, por Claro S.A. (“Claro”), Telefônica Brasil S.A. (“Telefônica”) e Tim S.A. (“TIM”), consistente em recusa de contratar e sham litigation.

A investigação foi instaurada de ofício pela SG em abril de 2023 após tomar conhecimento, por meio de ofício encaminhado pela ANATEL, de Reclamações Administrativas apresentadas pela Base Serviço de Integração Móvel Ltda. (“Base”), uma empresa que contrata serviços de operadoras de telecomunicação para oferta de Serviços de Valor Adicionado (“SVA”). Segundo a Base, a empresa teria se sagrado vencedora de licitações para fornecimento de acesso à internet a secretarias estaduais de educação. Contudo, Telefônica, Claro e TIM teriam se recusado a disponibilizar chips digitais que seriam essenciais para viabilizar a entrega do serviço. Ademais, as operadoras teriam patrocinado ações judiciais e administrativas de forma coordenada, apresentando argumentos supostamente falaciosos para anular as licitações. Dessa forma, a SG instaurou investigação, solicitando esclarecimentos da Telefônica, Claro, Tim e Base.

Após a manifestação das empresas, contudo, a SG decidiu arquivar a investigação. Segundo apurado pela SG, os chips digitais não seriam essenciais à prestação dos serviços da Base, dado que as operadoras teriam viabilizado o fornecimento de chips físicos, capazes de cumprir as mesmas funções. Ademais, a recusa de fornecimento dos chips digitais seria legítima, fundamentada em razões de segurança reconhecidas pela própria ANATEL. Por fim, as ações administrativas e judiciais promovidas pelas operadoras não configurariam sham litigation, pois teriam sido apresentadas em foros específicos, não existiriam informações falsas e os argumentos e teses não caracterizariam má-fé ou abuso processual. Desse modo, a SG arquivou a investigação por ausência de indícios de infração à ordem econômica.

SG arquiva investigação envolvendo supostas condições comerciais abusivas entre franqueadora e franqueados

A SG decidiu arquivar investigação[10] que buscava apurar suposto abuso de posição dominante, pela Zanon & Zanon Administradora de Franchising Ltda (“Zanon”), consistente em imposição de condições comerciais abusivas durante o processo de renovação contratual com franqueados.

A investigação teve origem em junho de 2025 a partir de representação apresentada pela Leme & Leme Corretora de Seguros Ltda (“Leme”), uma franqueada da Zanon no segmento de seguros. Segundo a Leme, a Zanon teria imposto uma série de condições comerciais abusivas durante o processo de renovação contratual, tais como: (i) apropriação indébita de carteira de clientes; (ii) imposição de encargos financeiros não previstos; (iii) desconto unilateral pela própria Zanon para repasses aos franqueados; e (iv) comportamento contraditório para não renovação. Dessa forma, a SG decidiu instaurar Procedimento Preparatório.

Após a instauração de Procedimento Preparatório, contudo, a SG decidiu arquivar a investigação. Segundo a SG, “pelo relato dos fatos, entende-se que o presente feito traz ao conhecimento do Cade discórdia comercial entre as partes, tratando-se, portanto de lide privada apenas, não havendo indícios mínimos de infração à ordem econômica“, sendo que “a Lei Antitruste protege a coletividade das infrações praticadas contra a ordem econômica, o titular do bem jurídico protegido é a coletividade. Deste modo, questões privadas devem ser discutidas no âmbito judicia, não sendo admitida a instauração de Inquérito para a apuração de fatos que constituam lide privada[11].

SG instaura investigação contra Microsoft por suposta alavancagem do Edge

A SG decidiu instaurar investigação[12] para apurar suposto abuso de posição dominante, pela Microsoft do Brasil Importação e Comércio e Software de Video Games Ltda. (“Microsoft”), consistente na alavancagem do Edge, seu navegador de internet para computadores pessoais.

A investigação teve origem em julho de 2025 a partir de representação apresentada pela Opera Norway AS. (“Opera”), uma empresa que oferta navegadores de internet para computadores pessoais. Segundo a Opera, a Microsoft estaria abusando da posição de dominância do Windows no mercado de sistema operacional para computadores pessoais, bem como dos seus softwares de produtividade Word, Excel e Power Point, para alavancar indevidamente a posição do Edge. Em especial, a Microsoft teria implementado uma série de práticas restritivas para induzir os usuários a utilizarem o Edge em detrimento de navegadores concorrentes, como a pré-instalação do Edge em computadores Windows, além de padrões obscuros (dark patterns) para desestimular navegadores rivais, como abertura de links automaticamente no Edge e apresentação de banners promocionais no Edge quando são realizadas buscas para download de outros navegadores. Segundo a Opera, tais condutas criam barreiras artificiais à concorrência, reduzem a liberdade de escolha dos usuários e desestimulam incentivos à inovação para navegadores rivais.

A SG instaurou Inquérito Administrativo e solicitou manifestação da Microsoft. Segundo a SG, “pelo que se verifica pelo inteiro teor da Representação formulada, não há dúvidas de que as supostas condutas denunciadas dizem respeito a matéria de competência do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, devendo, portanto, os indícios de infração à ordem econômica apresentados serem investigados em sede de Inquérito Administrativo“. O caso segue sob análise.


Notas de rodapé:

[1] Embargos à Execução Fiscal nº 1104569-49.2023.4.01.3400.

[2] Execução Fiscal nº 0030376-08.2008.4.01.3400.

[3] Processo Administrativo nº 08012.002493/2005-16.

[4] Ato de Concentração nº 08700.007023/2025-26.

[5] Ato de Concentração n° 08700.003611/2025-91.

[6] Parecer nº 226/2025/CGAA5/SGA1/SG.

[7] Ato de Concentração nº 08700.006980/2025-35.

[8] Parecer nº 437/2025/CGAA5/SGA1/SG.

[9] Inquérito Administrativo nº 08700.003110/2023-42.

[10] Procedimento Preparatório nº 08700.006529/2025-18.

[11] Nota Técnica nº 56/2025/CGAA11/SGA1/SG/CADE.

[12] Inquérito Administrativo nº 08700.007666/2025-70.